Originalmente, a chamada governança corporativa nasce com o conceito moldado para alinhar os interesses entre os sócios ou acionistas e os administradores, por meio da distribuição e gestão do poder dentro da estrutura organizacional da empresa.
Esse gerenciamento do poder, visto por muitos como um simples organograma, acontece por meio de um passo a passo que, na prática, se resume em:
1. Criação da estrutura;
2. Estabelecimento dos processos;
3. Implementação dos processos; e
4. Criação/modificação da cultura organizacional.
Após aproximadamente um século em evolução, em meio a diversos escândalos no meio corporativo, vislumbrou-se a necessidade de adoção de processos que priorizem a sustentabilidade empresarial e a enfatização da necessidade de adoção de boas práticas, pensando, principalmente, na perpetuidade dos negócios.
Nesse meio-tempo de globalização, surgiu a agenda ESG (ou ASG, em português, cujas siglas referenciam os setores ambiental, social e governança), que amolda um conjunto de boas práticas para a conscientização empresarial em relação ao seu papel em âmbitos sociais e ambientais.
Agora embasada em 04 pilares, a governança corporativa revelou-se como uma ferramenta para a implementação do ESG, sendo eles:
• Transparência (por exemplo, informações além dos parâmetros legais);
• Equidade (por exemplo, tratamento justo para sócios e partes relacionadas);
• Prestação de contas (por parte dos agentes de governança); e
• Responsabilidade corporativa (considerando os diversos capitais).
No geral, os players do mercado passaram a compreender que a criação de valor a longo prazo, considerando as necessidades de todas as partes interessadas e da sociedade em geral, aliada à implementação de uma boa governança corporativa, ao final, resulta em um incremento econômico (valor).
Todavia, infelizmente essa ainda não é a perspectiva da maior parte do setor mais pujante da economia brasileira.
Um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a KPMG sobre o agronegócio brasileiro, publicado em 2022, com centenas de participantes, revelou alguns aspectos importantes, destacando-se, dentre eles, a informalidade com que os players conduzem seus negócios.
Sabe-se que um dos principais motivos é o alto grau de incentivo à agricultura familiar, que acaba levando o empreendedor rural a trabalhar apenas como pessoa física.
Com o crescimento do setor, porém, os empreendimentos rurais devem preocupar-se também com a sua estrutura interna, não apenas em produzir e vender bem. As famílias brasileiras que vivem do campo e da sua produção, em sua grande maioria, com o ímpeto de continuar suas atividades durante as gerações seguintes, precisam ater-se ao seu modelo de governança corporativa. Sua longevidade depende disso.
Além do aspecto sucessório, pôr em prática uma boa governança corporativa proporcionará com que se mantenham ativamente nos mercados nacionais e internacionais.
Para tanto, devem atentar sua estrutura com o básico: o arroz com feijão da governança corporativa. Tudo se inicia com a adoção de uma estrutura empresarial personalizada para a sua atividade, que atenda ao seu padrão financeiro e organizacional.
A escolha da estrutura societária ideal depende dos objetivos, do porte, do número de sócios ou acionistas, do grau de responsabilidade que cada um está disposto a assumir, entre outros fatores. É importante que a estrutura escolhida seja bem definida e esteja de acordo com a legislação aplicável, para garantir uma gestão eficiente e a proteção dos interesses dos sócios ou acionistas.
Com isso, a elaboração de documentos personalizados para a sua operação: um bom contrato social ou estatuto social e um acordo de sócios ou acordo de acionistas para regular as ações dos seus pares.
O contrato social e o estatuto social são documentos fundadores da sociedade empresária, que estabelecem as regras básicas de funcionamento da empresa. O acordo de sócios ou de acionistas, por sua vez, é um documento complementar ao contrato social, que detalha as relações entre os sócios, e quepode ser utilizado para estabelecer regras mais específicas sobre a gestão da empresa, bem como direitos e obrigações dos sócios ou acionistas.
Esses são documentos de extrema importância para a governança corporativa de uma empresa, pois estabelecem regras claras para o funcionamento da sociedade, reduzindo o risco de conflitos entre os sócios e permitindo uma gestão mais eficiente e transparente da empresa.
Dentro dessa estrutura primordial, a adoção ou a criação de políticas internas observando os pilares citados anteriormente. Os mecanismos de governança corporativa são ferramentas e práticas que permitem garantir que as empresas sejam administradas de forma responsável e ética, respeitando os interesses de seus acionistas, clientes, funcionários e demais partes interessadas.
Alguns dos principais mecanismos de governança corporativa são:
• Conselho de Administração: é o órgão responsável pela definição da estratégia da empresa e pela supervisão das atividades dos seus executivos. É composto por membros independentes e/ou representantes dos acionistas, que têm a responsabilidade de garantir a transparência e a ética nos negócios da empresa.
• Auditoria independente: é um serviço prestado por empresas especializadas para verificar as demonstrações financeiras e contábeis da empresa, garantindo a sua integridade e confiabilidade.
• Comitê de auditoria: é um órgão do conselho de administração que tem como objetivo auxiliar na supervisão da contabilidade e auditoria da empresa. Ele pode ajudar na avaliação da independência dos auditores externos, na revisão de informações financeiras e na avaliação do sistema de controle interno.
• Código de ética: é um conjunto de normas e princípios que orientam a conduta dos funcionários e executivos da empresa. Ele estabelece as diretrizes para a tomada de decisões e o comportamento profissional, promovendo a transparência e a responsabilidade corporativa.
• Políticas de remuneração: é importante que as empresas estabeleçam políticas claras e objetivas de remuneração para seus executivos e funcionários. Isso ajuda a evitar conflitos de interesse e a promover a transparência na gestão da empresa.
• Sistema de controle interno: é um conjunto de procedimentos e políticas que visam garantir a eficácia e eficiência das operações da empresa, bem como a proteção dos seus ativos. Ele envolve a avaliação dos riscos, o estabelecimento de controles internos, a monitorização e a avaliação contínua dos resultados.
Com efeito, essa equação que incorpora diversos institutos resulta em valor (talvez não traduzido apenas em retorno financeiro, mas também econômico) para o empreendedor rural. Sobretudo, proporcionará que o crescimento do agronegócio brasileiro continue de maneira exponencial, mas com uma base sólida que permitirá a perpetuação das atividades.
Felipe Maddarena
02/03/2023