O agronegócio é uma atividade que compreende um conjunto de atividades econômicas ligadas a produção e comercialização de insumos, alimentos e commodities agrícolas. A sustentação e o fomento do agronegócio ocorrem por meio das diferentes formas de financiamento da atividade agrícola, estes financiamentos podem decorrer da iniciativa privada ou por parte do poder público. Neste artigo iremos tratar mais especificamente das formas de fomento por parte da iniciativa privada, ligada ao mercado financeiro e de capitais, tendo como objetivo apresentar e contextualizar os diferentes instrumentos que foram criados para facilitar o financiamento no decorrer dos anos.
Posto isso, nas últimas décadas, o Brasil assumiu uma posição de liderança na produção e comércio de commoditiesagrícolas. Isso se deu, em parte, por conta das novas políticas de crédito rural. Com a edição das leis nº 8.929, de 1994, nº 11.076 de 2004 e nº 14.421 de 2022, novos títulos e diferentes estruturas para o financiamento do agronegócio foram criadas, visando maximizar a captação de recursos e trazer aos produtores e agentes que atuam no agronegócio diferentes opções para o financiamento e desenvolvimento da atividade agropecuária, proporcionando assim uma maior independência das fontes tradicionais de financiamento.
A criação dos títulos do agronegócio possibilitou a captação de recursos no mercado de crédito privado, utilizando-se para tanto das estruturas do mercado financeiro e de capitais, de maneira que possibilitou uma conexão entre aqueles que têm recursos disponíveis para investir a aqueles que necessitam de crédito. Nessa esfera, a instituição financeira tem uma função operacional, captando o dinheiro com o público e transferindo para aqueles que necessitam de financiamento.
Esta operação, além de ser benéfica aos agentes envolvidos na atividade, é também uma ferramenta para o investidor, já que por ser uma modalidade de investimento adicional, pode trazer uma maior diversificação para o seu portifólio. Num sentido mais amplo, pode-se dizer ainda que representa uma oportunidade para o mesmo, pois traz a possibilidade de investir num dos setores mais rentáveis e lucrativos da economia brasileira.
1. Cédula de Produto Rural (CPR)
O primeiro título criado foi a Cédula de Produto Rural (CPR), este é um título de crédito líquido e certo e o art. 1° da lei nº 8.929 traz que ele representa uma promessa de entrega de produtos rurais e subprodutos, podendo haver ou não a concessão de garantias na operação. Já o art. 2° desta mesma lei, delimita que apenas produtores rurais, suas associações e cooperativas são legitimados a emiti-la, reafirmando a finalidade desta em garantir a obtenção dos recursos necessários para o desenvolvimento do agronegócio.
Tratando mais especificamente das garantias dadas à CPR, estas não são obrigatórias, mas caso necessário podem ser: a hipoteca, a alienação fiduciária, o penhor rural ou o aval. Sendo assim, a garantia deverá ser ajustada entre as partes para garantir as necessidades de cada um.
A CPR possui diferentes modalidades, podendo ser Física, Financeira ou a mais recentemente instituída, Verde. A Física representa uma promessa de entrega de produto rural na data, local, quantidade e qualidade expressas na CPR, desta maneira sua liquidação acontece mediante a entrega do produto pelo emitente conforme estipulado na cédula. Já na modalidade Financeira, não se prevê a entrega física do produto rural. Seu pagamento se dá através da liquidação financeira, no vencimento, do valor descriminado na cédula, este é calculado pela multiplicação da quantidade especificada do produto rural pelo preço ou índice de preços adotado no título.
Já no que se refere à CPR Verde, esta surge num contexto de crescente e necessária preocupação em incentivar e assegurar a preservação ambiental. Neste sentido, este novo título tem como objeto a entrega de produtos oriundos de atividades de reflorestamento, manutenção de florestas nativas e manejo florestal, ou sua liquidação financeira, funcionando como um pagamento pelos serviços ambientais prestados pelo produtor rural. O investidor, no caso, pagaria ao produtor pela preservação de uma determinada área visando, por exemplo, compensar sua emissão de carbono, através dos créditos gerados pela área preservada. O objetivo principal neste caso é a conexão de empresas, indústrias e pessoas físicas a produtores rurais que estejam dispostos a preservar florestas em pé ou formar novas florestas destinadas a preservação ambiental.
E por qual motivo ou para que o produtor rural emitiria uma CPR?
Devido à sua natureza abrangente, a CPR pode servir de diferentes maneiras ao produtor, por exemplo, uma delas seria a antecipação dos recursos ou produtos rurais, para aquisição de insumos e produtos ou simplesmente para planejamento do empreendimento. Outra função, seria como uma forma de proteção contra oscilações de preços de determinado produto rural, já que permite que o agricultor negocie antecipadamente e de forma segura a safra que está por vir.
E o que acontece caso uma das partes falhe com suas obrigações estipuladas na CPR?
Neste caso, havendo o inadimplemento, o credor poderá ingressar com uma ação de execução com base na CPR, visando a obtenção do que foi previamente acordado e/ou a persecução dos bens que foram dados em garantia ou até medidas provisórias, como sequestro de bens do devedor.
2. Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA)
Após a CPR, a Lei nº 11.076, instituiu diferentes modalidades de financiamento, uma delas foi o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e o Warrant Agropecuário (WA). O CDA é um título de crédito que representa promessa de entrega de um produto agropecuário depositado em armazéns certificados pelo governo ou que atenda a requisitos mínimos definidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Já o WA é um título de crédito que confere direito de penhor sobre o produto descrito no CDA correspondente. Ambos representam títulos executivos extrajudiciais e deverão ser emitidos mediante solicitação do depositante, sempre em conjunto, podendo ser comercializados e usados em empréstimos pelos produtores.
Entende-se como depositante, pessoa física ou jurídica responsável pelos produtos entregues a um depositário, este, por sua vez, representa pessoa jurídica apta a exercer as atividades de guarda e conservação dos produtos.
Vale ressaltar que o artigo 9º da Lei nº 11.076 estabelece que o depositário que emitir o CDA e o WA será responsável civil e criminalmente, inclusive perante terceiros, pelas irregularidades e inexatidões constantes nos referidos títulos, respondendo, também, pela guarda, conservação e manutenção da qualidade e quantidade do produto recebido em depósito, devendo entregá-lo ao credor dos títulos na quantidade e qualidade neles determinadas.
O produtor poderá se valer deste instrumento para servir como garantia em contratos de financiamento com bancos, por exemplo.
3. Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA)
Outro título de crédito instituído pela Lei nº 11.076 foi o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA). Este é um título de crédito nominativo, de livre negociação, e garante uma promessa de pagamento em dinheiro, devendo esta ser vinculada a direitos de créditos decorrentes de negócios realizados entre produtores rurais (ou suas cooperativas) e terceiros, inclusive financiamentos ou empréstimos relacionados com a atividade agrícola.
Por sua vez, somente as cooperativas de produtores rurais e outras pessoas jurídicas que exerçam a atividade de comercialização ou industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na produção agropecuária poderão emitir este tipo de título de crédito.
Este título poderá ser lastreado em Cédulas de Crédito Rural, Duplicatas e Notas Promissórias Rurais, contratos e nos Certificados de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA), valendo-se assim, de outros títulos para que seja originado. Neste sentido, o valor do CDCA não pode exceder o valor total dos direitos creditórios a ele vinculado, isto porque assim que a CDCA é emitida, ocorre a determinação de penhor sobre direitos creditórios do agronegócio vinculados a ela.
4. Letra de Crédito do Agronegócio (LCA)
A Letra de Crédito do Agronegócio representa uma outra ferramenta instituída pela Lei nº 11.076. Como a CDCA, a LCA é um título nominativo, de livre negociação e também promete pagamento em dinheiro. Entretanto, ela pode ser emitida somente por instituições financeiras públicas e privadas, mas há possibilidade também deste titulo ser emitido por cooperativas de crédito. Elas poderão ser mantidas em custódia em instituições financeiras ou outras instituições autorizadas pela CVM.
Da mesma maneira que a CDCA, o valor da LCA deve ser sempre igual ou inferior ao valor dos direitos creditórios vinculados a ela e a mesma também concede direito de penhor sobre os direitos creditórios vinculados.
Tanto a CDCA como a LCA, desempenham um papel fundamental no financiamento do agronegócio, já que representam uma porta de entrada para o mercado de capitais e, por este motivo, possibilitam uma redução dos juros praticados junto aos produtores rurais. Essa contribuição é essencial para impulsionar o setor agropecuário, possibilitando melhores condições financeiras aos envolvidos.
Uma peculiaridade da LCA é que ela possui algumas benesses concedidas ao investidor, uma delas é a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) que administra um mecanismo de proteção aos investidores, permitindo a recuperação de depósitos ou créditos mantidos em instituições financeiras, em caso de intervenção, liquidação ou falência. Desta maneira caso a instituição emissora da LCA não venha a cumprir com os pagamentos estipulados no título, o investidor poderá recorrer ao FGC para reaver o valor investido, porém, é necessário levar em conta que esta cobertura abrange o valor limite de R$250.000,00.
Outro benefício da LCA, é a isenção fiscal de IR para pessoas físicas, assim o investidor fica isento do pagamento de imposto de renda que será calculado sobre o valor investido, trazendo uma maior rentabilidade e, consequentemente, atratividade ao título.
5. Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA)
O último título instituído pela Lei nº 11.076 foi o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Este também é um título de crédito nominativo, de livre negociação e representa uma promessa de pagamento em dinheiro, constituindo um título executivo extrajudicial.
A emissão do CRA é exclusiva de companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio, ou seja, nesta operação, as empresas cedem seus recebíveis para uma securitizadora que emitirá os CRAs e os disponibilizará para negociação no mercado de capitais, geralmente com o auxílio de uma instituição financeira. Desta maneira, a securitizadora irá pagar a empresa pelos recebíveis cedidos e a empresa, por sua vez, conseguirá antecipar o recebimento destes recebíveis.
O artigo 23 da Lei nº 11.076 determina que o CRA deverá ser vinculado a direitos creditórios originários de negócios realizados entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros, sempre no âmbito do agronegócio. Tais negócios também incluem financiamentos ou empréstimos relacionados a produção, comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos ou insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na produção agropecuária.
Em suma, estes são os títulos de crédito aplicados ao agronegócio, cada qual com suas peculiaridades e exclusividades, que, por conta disso, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento e crescimento do setor, visto que através deles é possível viabilizar o financiamento e a captação de recursos necessários para impulsionar as atividades agrícolas e pecuárias.
É evidente que há também uma intenção de contribuir com sustentabilidade ambiental, o que é de suma importância, uma vez que o meio ambiente e o agronegócio devem andar juntos, em sintonia. A introdução de títulos como a CPR Verde, que valoriza a preservação ambiental e a adoção de práticas sustentáveis, reflete a crescente preocupação com a preservação dos recursos naturais e a conscientização sobre a importância de práticas agrícolas responsáveis.
Portanto, é manifesto que a interligação entre o mercado financeiro e de capitais com a atividade do agronegócio é fundamental para o desenvolvimento e fortalecimento dessa atividade econômica. O contínuo incentivo à criação de novos instrumentos financeiros e o aprimoramento das regulamentações é essencial para garantir a sustentabilidade e competitividade do agronegócio brasileiro no cenário global.
Com uma abordagem responsável e inovadora, o Brasil pode continuar se destacando como líder na produção e comercialização de commodities agrícolas, beneficiando tanto os produtores rurais e investidores quanto a economia do país como um todo.
Tomaz Villela
27/07/23