O agronegócio desempenha um papel central na economia brasileira, contribuindo significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB) e sendo um dos principais motores das exportações do país. Nos últimos anos, no entanto, o setor tem enfrentado um aumento substancial no número de recuperações judiciais. Esse fenômeno, reflexo de diversos fatores econômicos, climáticos e de gestão, os quais devem ser analisados conjuntamente para se compreender suas causas e implicações, explorando as razões para a vulnerabilidade financeira das empresas agropecuárias e discutindo o impacto desse aumento nas cadeias produtivas e na economia nacional.
Dados estatísticos da CNN Brasil apontam que em 2023, ao todo, foram realizados 321 pedidos por empresas de produtos e serviços relacionados ao agro. Os produtores em si fazem parte de um espectro separado. O resultado representa um salto de 82,4% em comparação com as 176 recuperações judiciais solicitadas em 2022. O setor representou 22,8% de todos os pedidos de recuperação judicial de 2023. As empresas observadas incluem revendedores e indústrias de insumos, agroindústrias e comércios atacadistas de produtos agropecuários, serviços de apoio à agropecuária, bem como indústrias e revendedores de máquinas agrícolas.
A recuperação judicial, prevista na Lei nº 11.101/2005, é um mecanismo legal destinado a viabilizar a superação de crises econômico-financeiras das empresas. Esse processo permite que as empresas em dificuldade reestruturem suas dívidas e atividades, suspendendo temporariamente ações e execuções contra elas enquanto se elabora um plano de recuperação.
O agronegócio no Brasil é vasto e diversificado, abrangendo desde a produção agrícola e pecuária até a industrialização e distribuição de produtos. No entanto, o setor é altamente sensível a variáveis econômicas, políticas e ambientais. A volatilidade dos preços das commodities, as condições climáticas adversas e as políticas econômicas são fatores que afetam diretamente a sustentabilidade financeira das empresas agropecuárias.
Entre os fatores apontados acima, como agravantes para essas empresas, estão as complexas consequências das alterações das mudanças climáticas, em especial porque eventos extremos têm afetado a safra brasileira, e a quebra de safra é quebra de renda, e invariavelmente descumprimento contratual, como um “efeito dominó”. De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra de 2024 deve ser 3,8% menor que a de 2023 por conta das mudanças climáticas.
Veja-se, então, que as condições climáticas adversas têm sido um dos principais fatores que contribuem para esse aumento. Eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, enchentes e geadas, têm causado sérios prejuízos à produção agrícola, impactando a capacidade das empresas de honrar seus compromissos financeiros. Esses eventos climáticos, muitas vezes exacerbados pelas mudanças climáticas globais, tornam a produção agrícola uma atividade de alto risco.
Além disso, a volatilidade dos preços das commodities no mercado internacional é outro fator crítico. A oscilação dos preços de produtos como soja, milho e café afeta diretamente a receita das empresas do setor, dificultando o planejamento financeiro de longo prazo. Em períodos de queda de preços, muitas empresas enfrentam dificuldades para cobrir seus custos de produção e cumprir suas obrigações financeiras.
Não bastasse o mercado interno, a instabilidade cambial e as políticas econômicas também desempenham um papel importante. A valorização do real em relação ao dólar pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, enquanto políticas econômicas que resultem em altas taxas de juros ou restrições de crédito podem agravar a situação financeira das empresas. Além disso, a falta de políticas públicas adequadas para apoiar o setor em tempos de crise contribui para a vulnerabilidade das empresas.
Agrega-se às demais condições, a gestão e o planejamento estratégico das empresas, também como fatores determinantes. Falhas na governança corporativa, falta de diversificação das atividades e planejamento inadequado são problemas comuns que afetam a saúde financeira das empresas. A má gestão dos recursos, aliada à ausência de uma estratégia robusta para enfrentar períodos de crise, pode levar as empresas a situações de insolvência.
O aumento das recuperações judiciais no agronegócio tem impactos significativos nas cadeias produtivas. A quebra de grandes empresas afeta fornecedores, transportadores e outros parceiros comerciais, gerando um efeito dominó que pode desestabilizar toda a cadeia produtiva. Além disso, a insegurança no mercado financeiro decorrente de um alto número de recuperações judiciais pode restringir o acesso ao crédito e reduzir os investimentos no setor. Esse cenário tem repercussões sociais importantes, como a redução de empregos e a diminuição da renda nas regiões dependentes do agronegócio.
O cenário, contudo, não é de crise generalizada no setor. Nota-se que o setor segue operando normalmente e contribuindo fortemente com a economia brasileira como um todo, o que não descarta a necessidade de se manter o foco na gestão das empresas. É fundamental que os produtores e empresas ligadas ao agro organizem suas finanças e, se preciso, busquem pela renegociação de dívidas, pois a recuperação judicial deve ser utilizada apenas como último recurso.
Muito embora alguns entendam a recuperação judicial como a solução de todos os males no setor, essa não é a realidade, e a medida cabe, como já suscitado, em casos extremos.
Em conclusão, o aumento das recuperações judiciais no agronegócio brasileiro é um reflexo de uma série de fatores adversos, incluindo condições climáticas desfavoráveis, volatilidade econômica e falhas de gestão. A compreensão dessas dinâmicas é essencial para o desenvolvimento de políticas públicas e estratégias empresariais que possam mitigar os riscos e promover a sustentabilidade financeira do setor.
É imperativo que governos, empresas e stakeholders colaborem para criar um ambiente mais resiliente e preparado para enfrentar os desafios que o futuro reserva para o agronegócio brasileiro.
Janaína Stein
03/06/2024