A regulamentação da União Europeia contra o desmatamento, com previsão de entrada em vigor a partir de dezembro de 2024, representa um marco importante nas políticas ambientais globais e impõe impactos diretos sobre o agronegócio brasileiro, especialmente para os setores de exportação de commodities como soja, carne bovina, madeira, cacau, óleo de palma, café e borracha.
A norma, denominada European Union Deforestation Regulation (EUDR), visa assegurar que produtos importados para o mercado europeu estejam desvinculados de práticas de desmatamento, particularmente em áreas florestais desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Trata-se de uma medida que responde ao crescente interesse do bloco europeu em promover cadeias de abastecimento mais sustentáveis e ambientalmente responsáveis.
A audiência pública realizada em 04 de dezembro de 2024 foi convocada com o intuito de discutir amplamente os efeitos dessa nova regulamentação sobre a economia brasileira. Embora o relatório oficial da audiência ainda penda de publicação, as discussões trouxeram à tona uma série de preocupações do setor produtivo nacional quanto à aplicabilidade e aos desafios impostos pela regulação. Foram debatidas questões centrais, como as motivações políticas e ambientais da norma, os impactos sobre a competitividade dos produtos brasileiros e os potenciais desdobramentos comerciais decorrentes das novas exigências.
A maior preocupação, entretanto, recai sobre os custos adicionais que serão gerados para que os produtores brasileiros se adequem às novas regras, especialmente no que tange aos mecanismos de due diligence e auditorias independentes que serão exigidos para garantir a rastreabilidade dos produtos ao longo de suas cadeias produtivas.
A EUDR estabelece que os operadores que exportam para a União Europeia deverão comprovar que suas mercadorias não estão vinculadas ao desmatamento ilegal ou práticas que violem legislações ambientais e de direitos humanos do país de origem. Essa comprovação deverá ocorrer mediante a implementação de sistemas internos de verificação e rastreamento, auditados de forma independente, e que assegurem a conformidade da produção com os padrões estabelecidos pela norma. Além disso, as penalidades previstas para o descumprimento incluem a suspensão das importações, apreensão de produtos e multas que podem alcançar até 4% do faturamento anual das empresas exportadoras, o que revela o rigor da regulamentação europeia.
Setores como o de soja e carne bovina, que possuem um alto volume de exportações direcionadas à Europa, serão particularmente afetados, uma vez que a comprovação de origem sustentável e de conformidade legal é uma demanda de difícil implementação em certas regiões, como a Amazônia e o Cerrado.
Por outro lado, o Brasil já possui uma estrutura institucional relativamente sólida que pode contribuir para a adaptação às novas exigências impostas pela EUDR. Instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Sistema de Identificação e Rastreabilidade de Bovinos e Bubalinos (SIRBOV-SP) são exemplos de ferramentas de rastreabilidade que podem ser potencialmente reconhecidas pelos órgãos europeus como mecanismos de verificação da conformidade da produção agropecuária nacional. No entanto, é crucial que haja um esforço conjunto entre o setor público e privado brasileiro para fortalecer esses sistemas e negociar com a União Europeia o reconhecimento formal dos mesmos, de modo a reduzir os custos e facilitar a adequação dos produtores às novas normas.
O fortalecimento de políticas públicas voltadas à promoção de práticas agropecuárias sustentáveis, aliadas à utilização de tecnologias que garantam a rastreabilidade da produção, será determinante para que o Brasil continue sendo competitivo no mercado europeu.
Embora a nova regulamentação europeia apresente imprecisões, especialmente no que se refere à definição clara de critérios de avaliação de risco e ilegalidade, o Brasil demonstra estar, em certo grau, preparado para se adequar às suas exigências. O País já dispõe de um vasto arcabouço legal e institucional que garante, em grande medida, a sustentabilidade e a conformidade da produção agropecuária. Ferramentas como o Sistema de Monitoramento do Desmatamento (Prodes), o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) e o próprio Código Florestal são marcos que podem contribuir positivamente no diálogo com a União Europeia, no sentido de mostrar que o Brasil possui uma estrutura capaz de garantir a conformidade ambiental exigida pela EUDR.
Portanto, o desafio que se apresenta não é apenas a adequação do setor produtivo às novas exigências, mas também o fortalecimento dos mecanismos institucionais já existentes e a busca por soluções consensuais que considerem as especificidades da produção brasileira.
O reconhecimento dos sistemas públicos de monitoramento, como o CAR, pelas autoridades europeias, será essencial para uma implementação justa e não discriminatória da norma. Diante disso, a atuação conjunta entre governo, setor produtivo e organizações ambientais será crucial para garantir que o Brasil mantenha sua relevância no mercado europeu, enquanto promove práticas de produção mais sustentáveis e alinhadas aos padrões internacionais.
Janaína Stein
05/12/2024