O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão importante que afeta diretamente a compensação de áreas de reserva legal em propriedades rurais. Por unanimidade, os ministros determinaram que a compensação dessas áreas deve ser feita dentro do mesmo bioma onde estão localizadas as propriedades. Com isso, foi descartada a exigência anterior de considerar a "identidade ecológica" da vegetação para a compensação, um critério que vinha gerando debates jurídicos e dificultando a implementação do Código Florestal Brasileiro.
Mas o que é bioma e reserva legal? Bioma, é um conjunto de vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação que são próximos e que podem ser identificados em nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação da paisagem, resultando em uma diversidade de flora e fauna própria. O Brasil possui seis biomas principais: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. Cada bioma desempenha um papel essencial no equilíbrio ambiental do país e, por isso, a compensação de reserva legal dentro do mesmo bioma ajuda a manter a integridade ecológica da região.
Reserva legal, por sua vez, é definida como uma área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas, de acordo com a alínea III do artigo 3° da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal Brasileiro). Desta forma, todo imóvel rural deve manter uma área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal. Os percentuais mínimos exigidos são de 80% dos imóveis localizados na região da Amazônia Legal; 35% dos imóveis localizados em área de Cerrado; e 20% dos demais imóveis do país. Os imóveis rurais que não mantêm os percentuais mínimos de Reserva Legal são classificados como irregulares e estão sujeitos a penalidades e impossibilitados de serem objeto de licenciamentos e financiamentos rurais.
Sendo assim, a regularização da área de Reserva Legal é de extrema importância ao produtor rural e pode ser alcançada através da implementação de projeto de recuperação da área desmatada e até de regeneração natural da vegetação nativa, mediante aprovação do órgão ambiental competente.
Contudo, na prática, é sabido que os projetos de recuperação de área desmatada são complexos e muito caros ao produtor rural. Os programas de recuperação de áreas desmatadas, seja de Reserva Legal ou de Preservação Permanente, estão estruturados pelo Código Florestal de forma a obrigar o detentor do imóvel rural a declarar as áreas degradadas e preservadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a aderir ao Programa de Recuperação Ambiental (PRA), criado pelo Estado de situação de seu imóvel.
A despeito dos seis anos de vigência do Código Florestal, o PRA não está regulamentado na maioria dos Estados, o que gera incertezas na elaboração e aprovação dos projetos pelos órgãos ambientais.
O Código Florestal traz alternativas para a regularização da área de Reserva Legal através do instituto da compensação, por meio deste instituto, donos de terras que não possuem Reservas Legais averbadas, podem, com a condição de que esteja localizada no mesmo bioma e bacia hidrográfica, proteger uma área de semelhante tamanho em outro imóvel regularizando-se diante da lei.
O tema da compensação de reserva legal estava sendo debatido no STF há anos. Em 2023, o Tribunal havia declarado inconstitucional o critério do bioma, optando pela "identidade ecológica". Entretanto, com a revisão recente, os ministros voltaram atrás e reafirmaram que a compensação deve seguir o critério do bioma, conforme previsto no Código Florestal.
Essa mudança foi celebrada por representantes do setor ambiental e rural. Jaime Verruck, secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) de Mato Grosso do Sul, destacou que a decisão traz segurança jurídica e destrava a implementação efetiva do Código Florestal, que, apesar de vigente desde 2012, vinha enfrentando entraves na aplicação devido a interpretações divergentes.
Um exemplo importante da efetividade desta decisão, consiste na regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR). No Mato Grosso do Sul, quase 50 mil propriedades rurais já passaram pela análise para obtenção do CAR, no entanto, a indefinição sobre os critérios de compensação de reserva legal atrasava a regularização ambiental dessas propriedades. Com a prevalência do critério do bioma, proprietários de terras em biomas como o Cerrado, por exemplo, poderão compensar déficits de reserva legal utilizando áreas excedentes dentro do mesmo bioma.
Com o impasse resolvido, é importante que proprietários rurais, com a orientação de especialistas, deem início aos processos de compensação de reserva legal para finalizar o registro no CAR. O avanço dessa etapa é essencial para consolidar o Código Florestal e garantir o equilíbrio entre produção agrícola e conservação ambiental.
Essa decisão do STF não apenas pacífica um debate jurídico, mas também reforça a importância de estratégias alinhadas ao contexto ecológico dos biomas brasileiros, contribuindo para a preservação dos ecossistemas e a prática de uma agropecuária mais sustentável.
Tomaz Villela
25/11/2024