A queima da palha da cana-de-açúcar é uma prática - por vezes - utilizada no setor sucroalcooleiro brasileiro, contudo essa prática tem sido objeto de intenso debate jurídico devido aos seus impactos ambientais e à saúde pública.
Isso porque a matéria decorre de um estudo complexo e de necessária observância das premissas constitucionais do Estado Democrático de Direito, que, dentre diversas proteções, estabelece como ordem social o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
E partir disso, estabelece, na legislação infraconstitucional, princípios e deveres para as atividades que impactam a segurança do meio ambiente, regulamentando, por exemplo, que o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, ou em outras situações específicas, deve ser previamente autorizado pelo órgão estadual ambiental, na forma de regulamento.
Inclusive, a Política Nacional do Meio Ambiente regulamenta a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, contendo, como princípios, ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; acompanhamento do estado da qualidade ambiental; recuperação de áreas degradadas; proteção de áreas ameaçadas de degradação; e educação ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente.
Então, dentro desse arcabouço jurídico, quando nos debruçamos sobre a discussão da queima controlada da palha da cana-de-açúcar, podemos conferir que é permitida desde que atendidos certos requisitos, conforme estabelecido por normas estaduais e federais, e que geralmente incluem:
1. Autorização Prévia: Deve ser obtida autorização prévia junto ao órgão ambiental competente, conforme o artigo 41 do Código Florestal.
2. Plano de Queima: Apresentação de um plano detalhado de queima que inclua as técnicas e medidas de controle que serão adotadas para minimizar os riscos de incêndio descontrolado.
3. Condições Climáticas: A queima deve ser realizada em condições climáticas favoráveis, geralmente com umidade relativa do ar acima de 20% e ventos inferiores a 10 km/h.
4. Faixas de Proteção: Implementação de faixas de proteção e aceiros ao redor da área a ser queimada para evitar a propagação do fogo.
5. Monitoramento e Controle: Presença de pessoal treinado e equipado para monitorar e controlar a queima, além de equipamentos de combate a incêndios.
6. Notificação Prévia: Notificação prévia aos órgãos de defesa civil e às comunidades vizinhas sobre a data e horário da queima planejada.
Isso porque a análise da constitucionalidade da queima da palha da cana-de-açúcar deve considerar o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental. A prática, quando realizada de forma controlada e com as devidas autorizações, pode ser considerada constitucional. No entanto, a queima indiscriminada e sem controle, que resulta em danos ao meio ambiente e à saúde pública, é incompatível com os preceitos constitucionais de proteção ambiental.
Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal - STF e o Superior Tribunal de Justiça - STJ reforçam a necessidade de um controle rigoroso e de uma regulamentação adequada para que a queima da palha da cana-de-açúcar seja permitida apenas em condições que não causem prejuízos ao meio ambiente e à população.
Portanto, a queima da palha da cana-de-açúcar, enquanto prática agrícola, não é inconstitucional por si só. No entanto, sua legalidade está condicionada ao cumprimento de rigorosos critérios de controle e prevenção de danos ambientais, conforme estabelecido pela legislação e reafirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Allan Modesto
11/07/2024